Até a Última Gota é uma mistura explosiva de dor, pressão social e esgotamento emocional

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Título original: Straw
Direção: Tyler Perry
Elenco: Taraji P. Henson, Sherri Shepherd, Teyana Taylor, Glynn Turman, Rockmond Dunbar
Duração: 1h45
Distribuição: Netflix
Lançamento: 6 de junho de 2025


Estreando discretamente na Netflix, Até a Última Gota (título original Straw) é um filme que não avisa ao espectador o que está por vir. Dirigido por Tyler Perry, o longa-metragem surpreende com uma narrativa intensa, socialmente carregada e, por vezes, dolorosa. A obra pode até não reinventar o gênero, mas encontra força na atuação visceral de Taraji P. Henson, em uma performance que captura a essência de uma mulher levada ao seu limite pela pressão da vida.

Uma rotina que nos leva ao limite

A trama gira em torno de Janiyah Wiltkinson, uma mãe solo que, em apenas um dia, vê sua vida desabar: despejada de casa, demitida do trabalho e confrontada com a doença da filha. Sem qualquer rede de apoio, ela chega ao fundo do poço ao tentar descontar um cheque em um banco — e é nesse momento que o filme toma um rumo surpreendente e explosivo. Para quem assiste sem nenhuma informação prévia, o choque é inevitável. É impossível não lembrar da icônica cena de Coringa (2019) em que Arthur Fleck explode ao vivo na TV. Há, de fato, uma atmosfera parecida entre as duas obras: o retrato de um indivíduo esmagado por uma sociedade indiferente.

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Até a Última Gota está disponível na Netflix

Embora o filme aborde a questão racial e no olhar cruel sobre mulheres negras nos Estados Unidos, sua maior força está na sensação de sufocamento. O roteiro carrega uma série de eventos traumáticos que se acumulam de forma quase exagerada — o que pode incomodar alguns — mas essa densidade é intencional. A ideia é provocar desconforto, gerar incômodo e abrir espaço para reflexão.

Até a Última Gota varia do impactante ao raso

Taraji P. Henson é o coração pulsante da narrativa. Sua entrega é absoluta, traduzindo com o olhar uma dor silenciosa e uma instabilidade emocional cada vez mais evidente. A personagem Janiyah é frágil, revoltada e, por vezes, até assustadora — e tudo isso aparece com autenticidade. Sherri Shepherd também se destaca como Nicole, a gerente do banco. De início, ela parece apenas mais uma peça insensível do sistema, mas revela camadas inesperadas ao longo da história. Teyana Taylor, como a detetive Raymond, entrega momentos memoráveis, embora sua personagem oscile entre cenas de grande profundidade e outras mais artificiais.

Teyana Taylor como Detetive Raymond em Até a Última Gota
Teyana Taylor como Detetive Raymond em Até a Última Gota

O roteiro de Perry funciona bem no geral, mas sofre com algumas decisões apressadas. A conexão emocional imediata entre a detetive e a protagonista, por exemplo, soa forçada. Ainda que mais tarde essa empatia seja explicada com uma forte cena telefônica, o desenvolvimento poderia ser mais crível. A entrada do FBI na narrativa também parece desnecessária, assim como a inclusão de uma “bomba” que flerta com o cômico e destoa do tom dramático predominante.

Lacrou?

Apesar dessas falhas pontuais, o filme entrega monólogos marcantes e diálogos representativos. Alguns podem acusar a obra de se curvar à cultura “woke” e realmente há, mas o centro do enredo vai muito além de discursos ideológicos. O foco real está no esgotamento mental de uma mulher invisibilizada pela sociedade — uma história que, infelizmente, ecoa com muitos na vida real.

O desfecho é impactante, embora não ofereça todas as respostas. Há perguntas em aberto, mas há também uma mensagem clara: é preciso olhar com mais atenção para aqueles que vivem no limite da dignidade humana. Até a Última Gota pode não ser original — remete a filmes como À Procura da Felicidade, Um Ato de Coragem e o próprio Coringa — mas seu impacto é inegável.

Avaliação: 7 de 10.

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