O início de um sonho sombrio
Quando Zack Snyder assumiu a missão de construir o universo cinematográfico da DC, a promessa era de algo grandioso e coeso. Depois de O Homem de Aço (2013) e Batman vs Superman (2016), a expectativa era que Liga da Justiça fosse o ápice dessa narrativa. Mas o projeto que deveria marcar o grande encontro dos heróis se transformou em uma das maiores crises da história da Warner.
Já em Batman vs Superman, os sinais de desgaste eram claros. O filme foi lançado em versão reduzida pelo estúdio, cortando cerca de 30 minutos da montagem original. A crítica não poupou, e a Warner culpou o tom pesado pela recepção fria. O próprio Snyder mais tarde desabafou:
“Eu nunca fiz filmes para serem leves ou descartáveis. Queria criar algo que tivesse peso e emoção, mas o estúdio começou a duvidar dessa visão.” – Zack Snyder, em entrevista à Vanity Fair (2021).
A tragédia de Snyder e a oportunidade do estúdio
Em 2017, Zack Snyder deixou oficialmente a produção após o suicídio de sua filha Autumn. O afastamento era inevitável, mas nos bastidores havia quem acreditasse que a Warner já buscava formas de substituí-lo. O diretor confessou em entrevista que a tragédia não apenas o afastou fisicamente, mas abriu espaço para que o estúdio assumisse de vez o controle criativo.

“Perder Autumn mudou tudo. Eu sabia que não conseguiria mais estar lá. E também senti que o estúdio estava feliz com a minha saída.” – Snyder, à The Hollywood Reporter.
Joss Whedon e o choque de visões
O escolhido para concluir o trabalho em Liga da Justiça foi Joss Whedon, celebrado pelo sucesso de Os Vingadores. Mas sua chegada significou mais do que finalização: ele alterou diálogos, acrescentou humor forçado e conduziu refilmagens extensas, com orçamento adicional estimado em 25 milhões de dólares. O arco do Cyborg, que Snyder tratava como coração da narrativa, foi praticamente apagado.
Ray Fisher, intérprete do personagem, não se calou.
“O tratamento de Joss Whedon no set foi grosseiro, abusivo, não-profissional e inaceitável. E não foi apenas ele. Outros executivos permitiram que isso acontecesse.” – Ray Fisher, em declaração oficial (2020).
Gal Gadot também relatou tensões durante as gravações.
“Tive minhas próprias experiências com Whedon, que não foram das melhores. Eu lidei com isso na hora, e quando foi necessário, alertei a Warner.” – Gal Gadot, ao Los Angeles Times.
O resultado foi um choque de visões irreconciliáveis, que transformou o filme em uma colcha de retalhos.
O escândalo do bigode
Nada simboliza melhor o caos de produção do que o chamado “bigodgate”. Henry Cavill filmava Missão: Impossível – Efeito Fallout e, por contrato, não podia raspar o bigode. A Warner decidiu remover digitalmente os pelos faciais, mas o efeito foi tão artificial que a boca do Superman virou piada mundial.
“Nunca vi nada igual. Estávamos gastando milhões para corrigir um detalhe que nunca deveria ter existido. Era o retrato da pressa.” – funcionário anônimo da pós-produção, à Forbes.

O Frankenstein da Warner
Liga da Justiça chegou aos cinemas em novembro de 2017 com duas horas exatas de duração, limite imposto pela Warner para aumentar o número de sessões diárias. O longa arrecadou 657 milhões de dólares, mas foi considerado um fracasso para o que deveria ser o grande épico da DC. A crítica apontava incoerência, tom desigual e personagens sem desenvolvimento.
Anos depois, o então CEO Kevin Tsujihara admitiu que as decisões não foram criativas, mas financeiras.
“Não queríamos adiar lançamentos, não queríamos que as ações da companhia fossem impactadas. Era uma decisão financeira, não criativa.” – Kevin Tsujihara, em apuração da Variety.
O levante dos fãs
A partir desse fracasso nasceu um movimento sem precedentes na cultura pop. O “Release the Snyder Cut” começou tímido, mas ganhou as redes sociais e chegou a estampar outdoors na San Diego Comic-Con. Mais do que uma campanha, tornou-se uma cruzada.
“As pessoas riram de nós no começo. Disseram que nunca aconteceria. Mas cada tweet, cada outdoor, cada centavo arrecadado nos aproximava do objetivo.” – organizador anônimo da campanha, em entrevista à Forbes.

Parte da mobilização ainda levantou fundos para instituições de prevenção ao suicídio, conectando a causa pessoal de Snyder à luta coletiva de fãs espalhados pelo mundo.
A redenção tardia da Liga da Justiça
Em 2021, com a HBO Max precisando de grandes atrativos, a Warner liberou 70 milhões de dólares para que Snyder concluísse sua versão definitiva. O resultado foi um épico de quatro horas chamado Liga da Justiça de Zack Snyder que devolveu ao público os arcos originais e a coesão narrativa que havia sido perdida em 2017.
“Era importante para mim mostrar o que tínhamos feito. Não é só um filme, é o trabalho de centenas de pessoas que acreditaram nessa visão.” – Zack Snyder, no lançamento do Snyder Cut.
O triunfo criativo, no entanto, não foi suficiente para mudar a decisão corporativa. O estúdio deixou claro que não retomaria aquele universo, preferindo recomeçar do zero.
O legado de uma guerra criativa
O desastre de Liga da Justiça não marcou apenas um filme, mas todo um universo compartilhado. A Warner entrou em crise, passou por sucessivas trocas de executivos e, anos depois, entregou as rédeas da DC a James Gunn e Peter Safran. O caso se tornou um estudo sobre os limites da interferência executiva em Hollywood e sobre o poder de mobilização dos fãs na era digital.
Mais do que um blockbuster problemático, Liga da Justiça é lembrado hoje como o retrato de uma guerra criativa sem vencedores. Entre tragédias pessoais, disputas de poder e campanhas globais, a produção escancarou a distância entre visão artística e pressa corporativa. E mostrou que, no fim das contas, até um bigode pode se tornar símbolo de uma batalha épica.