A onda de projetos de lei para proibir a monetização de todo conteúdo envolvendo crianças nas redes sociais ganhou força nas últimas semanas. São mais de 30 propostas em tramitação na Câmara, motivadas por casos recentes de exposição e sexualização precoce de menores em vídeos virais. Entre elas, o PL 3898/2025 de Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e o PL 3886/2025 de Tabata Amaral (PSB-SP) estão entre os mais comentados.
Na justificativa, há um ponto inegociável com o qual concordo plenamente: é preciso haver fiscalização real do que crianças e adolescentes produzem ou participam na internet, e o combate à sexualização deve ser prioridade. Não é razoável que menores sejam usados como isca de engajamento em vídeos apelativos, nem que as plataformas ignorem os riscos de exposição e exploração. Isso é inegociável.
Mas quando olhamos para a redação de algumas dessas propostas, o sinal de alerta acende. Muitas adotam um texto abrangente o suficiente para atingir qualquer produção com crianças como protagonistas — desde casos evidentes de exploração até canais familiares que trabalham com supervisão ativa, como Isaac Amendoim, Maria Clara & JP ou Lulu, que mudaram de vida graças a conteúdos lúdicos, educativos e inofensivos. Inclusive, Isaac Amendoim conquistou espaço produzindo vídeos para as redes sociais e, através da repercussão, ganhou o protagonismo do live-action de Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa e hoje atua como Picolé em Eta Mundo Melhor! da Rede Globo.
O projeto de Tabata Amaral, por exemplo, proíbe “qualquer forma de monetização direta ou indireta” de vídeos com crianças, prevendo multas de até R$ 5 milhões. Há exceções para conteúdos jornalísticos, educativos ou artísticos, mas a linha é tênue — e a insegurança jurídica pode sufocar justamente quem produz com responsabilidade.
Sendo práticos, vamos considerar os vídeos do Zanq com sua filha Tutu, por exemplo, exploração tal como os absurdos de Hytalo Santos? Generalizar não é fazer justiça, mas parece que atualmente perdemos a capacidade cognitiva de diferenciar situações ou talvez os políticos não queiram trabalho a longo prazo e simplesmente optem por colocar tudo no mesmo balaio.
O precedente da TV aberta: o dia em que o conteúdo infantil sumiu
Essa lógica me lembra um erro histórico. Em 2014, a Resolução nº 163 do Conanda determinou que toda publicidade direcionada a crianças menores de 12 anos seria considerada abusiva, amparada no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A intenção era proteger, mas o efeito colateral foi devastador para a TV aberta: programas infantis perderam sua principal fonte de financiamento, já que não podiam mais exibir comerciais de brinquedos, alimentos ou qualquer produto voltado diretamente ao público infantil.
Sem receita publicitária, atrações como TV Globinho e Bom Dia & Cia foram saindo de cena, substituídas por telejornais e programas voltados ao público adulto. O resultado? O espaço para conteúdo infantil nacional foi praticamente eliminado da TV aberta, e a infância brasileira passou a consumir cada vez mais conteúdos importados ou digitais, muitas vezes sem qualquer curadoria local. A boa intenção gerou um vácuo cultural.
O risco de repetir a história
A diferença agora é que o alvo são as redes sociais, mas o risco é o mesmo: punir o ecossistema saudável junto com o nocivo. Proibir não é proteger. O que protege é regulamentar com inteligência — criar mecanismos para separar o que é exploração do que é produção criativa legítima. Isso significa exigir acompanhamento jurídico e psicológico para menores que trabalham com conteúdo, estabelecer contas fiduciárias para guardar ganhos até a maioridade, e responsabilizar plataformas que permitirem abusos.
Radicalizar no “tudo ou nada” pode até gerar manchetes positivas no curto prazo, mas, no longo prazo, pode empurrar produções para a informalidade e deixar de fora as histórias positivas que nascem quando famílias usam a internet como ferramenta de expressão e oportunidade. Precisamos atacar o problema — a sexualização e o abuso — sem derrubar, junto, quem está fazendo certo.
Fontes: PL 3886/2025 – Tabata Amaral na Câmara | PL 3898/2025 – Sâmia Bomfim na Câmara | Resolução nº 163/2014 – Conanda