Existe algo hipnótico em voltar a Derry. O terror que pulsa ali — entre becos, sussurros e traumas ancestrais — nunca é mero exercício de susto. “It Bem-Vindos a Derry”, na estreia, já mostra para que veio: não existe zona de conforto nem para quem jura conhecer a lógica do horror moderno. O episódio, dirigido por Andy Muschietti, é um convite indecente ao desconforto, à carnificina, àquilo que — quase sem querer — revela o monstro dentro de cada espectador.

Esqueça o palhaço apenas como ameaça. O primeiro capítulo titubeia entre o grotesco e o singelo: um bebê demoníaco, adultos impotentes, crianças com olhares mais profundos do que a própria maldade da cidade. São cenas tortas, às vezes cruéis, que revitalizam não só o universo de Stephen King, mas a própria arte de incomodar. Aqui, cada trauma é físico, cada vergonha social é sangrenta e cada referência à década de 60 serve para escancarar feridas aparentemente cicatrizadas.
Protagonistas carismáticos
Matty, Lilly, Teddy, Phil — não são só vítimas ou valentes. São representações do espectador, da inocência devorada pelas sombras da rotina, do adulto incapaz de proteger, do pânico mascarado pelo anonimato. Quando a série escorrega e tenta explicar demais, há quem reclame, mas fica difícil ignorar o poder de um roteiro que prefere o horror ao suspense — e se recusa a tratar o público com condescendência.

It Bem-vindos a Derry prioriza o terror
Muschietti entrega não apenas sustos ou atmosfera arrepiante, mas uma investida contra quem insiste em achar ternura onde só habita o descontrole. Derry não é só monstro: é reflexo da comunidade disfuncional, do silêncio cúmplice, do olhar que vira o rosto e permite o impossível. E se algum crítico aponta excesso de violência ou polêmica temática, fica a pergunta: qual seria o verdadeiro limite do terror, se não o de confrontar os medos que todos preferem varrer para debaixo do tapete?
O primeiro episódio de “It Bem-Vindos a Derry” é um abraço gelado para quem acredita que o horror serve só para assustar crianças. Melhor encarar: quem chega à cidade, esquece a saída — e o próprio palhaço ri do esforço em reencontrar a paz.
