O governo federal está prestes a colocar nas mãos da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) o poder de suspender provisoriamente redes sociais que não removerem conteúdos ilícitos após notificações oficiais. O bloqueio poderia durar até 30 dias sem passar por um juiz, e só seguiria depois disso mediante decisão judicial.
A justificativa oficial é nobre: proteger usuários contra crimes, golpes, fraudes e, principalmente, contra conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes. Na prática, o combate às fake news e aos discursos de ódio — que eram o foco de projetos anteriores — ficou em segundo plano.
Disputa dentro do governo e pressa no Congresso
O tema causou atrito interno. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, defendeu que a suspensão poderia ocorrer sem decisão judicial. Já Sidônio Palmeira, da Secom, preferia que fosse obrigatória uma ordem da Justiça, com um “atalho” de comunicação entre a ANPD e o Judiciário. No fim, venceu a tese da suspensão provisória.
A pressa veio de cima. Em reunião no dia 13, Lula determinou que o texto seja enviado ao Congresso nos próximos dias. A proposta já estava pronta há meses na Casa Civil, mas o governo esperava o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet e um momento político mais favorável. Segundo avaliação do Planalto, esse momento chegou com a repercussão do vídeo do influenciador Felca, que denunciou abusos contra crianças e reacendeu o debate sobre regulamentação digital.

O governo, porém, só deve enviar o projeto após a votação na Câmara do texto do senador Alessandro Vieira (MDB-ES), que combate a “adultização” de crianças nas redes. O projeto já passou pelo Senado e deve ir ao plenário da Câmara até a próxima quarta-feira, com apoio total do Planalto.
Um tema delicado e um lobby poderoso
Mesmo com o clima aparentemente favorável, a proposta enfrenta resistência. Big techs mobilizam seu lobby pesado em Brasília, enquanto a direita bolsonarista articula contra a medida. Em 2023, o governo já havia tentado aprovar um projeto para combater fake news, mas a proposta empacou. Desde então, a estratégia mudou: agora, o foco está na proteção direta do usuário.
Há ainda a dúvida se o governo aproveitará para enviar junto um segundo projeto, voltado para a regulação econômica e medidas antitruste, o que também depende de negociações políticas com Hugo Motta e Davi Alcolumbre.
E, em meio a tudo isso, ainda rola uma curiosa conexão internacional: diante do tarifaço de Donald Trump contra o Brasil, o governo Lula até acenou às big techs do Vale do Silício como sinal de boa vontade para negociação. Mas, segundo integrantes do próprio governo, já está claro que a Casa Branca não pretende avançar nesse diálogo.
No fim das contas, a questão vai muito além da proteção contra crimes digitais. Dar a um órgão do Executivo o poder de tirar redes do ar sem passar pelo Judiciário abre um precedente perigoso, que pode ser usado amanhã para silenciar críticas e limitar debates. E, em tempos de polarização, confiar que esse poder será usado sempre para o bem talvez seja um otimismo ingênuo demais.
Fonte: UOL