Vale Tudo mata Odete Roitman e Manuela Dias mata também a coerência

vale tudo odete roitman

Há um momento em que o espectador precisa respirar fundo, olhar para a tela e dizer a si mesmo: “é uma novela, não procure tanta coerência”. Essa talvez seja a única forma de mergulhar no universo que Manuela Dias tenta reconstruir no remake de Vale Tudo. O tão aguardado capítulo especial — que trouxe de volta o assassinato de Odete Roitman — bateu recordes de audiência e dominou as redes sociais, mas não sem dividir opiniões. O espetáculo da nostalgia acabou manchado por uma série de decisões narrativas e visuais que beiram o absurdo.

A construção da morte de Odete é, no mínimo, confusa. A direção de Paulo Silvestrini parece indecisa entre o suspense e a pressa, resultando numa sequência picotada, sem fôlego e incapaz de sustentar a tensão. As cenas se atropelam, o ritmo se perde e o clímax — que deveria gelar o público — se dilui em meio a cortes desconexos.

Vale Tudo para Manuela Dias

O problema não está apenas na execução, mas também no roteiro. Algumas situações beiram o inverossímil e exigem que o público desligue qualquer senso lógico. É o caso de Maria de Fátima e Marco Aurélio, ambos determinados a matar Odete, que decidem — sem qualquer disfarce — se hospedar no Copacabana Palace em seus próprios nomes, como se o hotel cinco estrelas fosse uma pensão anônima. Mais estranho ainda é a facilidade com que conseguem reservas de última hora.

E há o plano de Marco Aurélio, que tenta criar um álibi com a ajuda da esposa, Leila. A ideia seria manipular a percepção do garçom, futura testemunha, mas… será que ninguém no universo de Vale Tudo imaginou que o Copacabana Palace tem câmeras nos corredores? O mesmo vale para Tia Celina, que abre a bolsa com uma arma dentro enquanto está no elevador, e para Fátima, que faz o mesmo no restaurante. É possível justificar com o nervosismo das personagens, mas convenhamos: é um festival de burrices disfarçadas de tensão dramática.

O ponto mais inacreditável, porém, é Olavinho surgindo como um atirador de elite — do nada — circulando com uma sniper nas redondezas do hotel mais vigiado do Rio de Janeiro. O roteiro parece esquecer que o Copacabana Palace é, na vida real, um dos lugares mais protegidos do país. Nenhum segurança? Nenhum detector de metais? Nenhum olhar desconfiado? Tudo passa, convenientemente, despercebido.

E quando o momento do disparo finalmente chega, a novela atinge o auge do surrealismo: diante da arma apontada, Odete solta um “Meu bem, ninguém tem coragem de atirar em Odete Roitman”. Um comentário espirituoso, talvez — se não viesse segundos antes da própria morte. A fala soa deslocada, quase uma caricatura do que Vale Tudo representa.

image 12

Ainda assim, Débora Bloch tenta salvar o naufrágio. Sua entrega é intensa, seu olhar carrega o peso de uma vilã histórica, e é notável como o elenco todo se esforça para dar dignidade ao texto. Malu Galli, como Celina, segue sendo um dos pontos altos da trama, e Bella Campos demonstra uma evolução real desde o início da novela. Mas o esforço coletivo não é suficiente para sustentar a confusão estética e narrativa.

A única jornada que realmente dialoga com o suspense é a de Heleninha, vista nas proximidades da cena do crime, envolta em mistério e dor genuína. É o único arco em que a tensão respira. Já César e Olavinho servem como um alívio cômico que ninguém pediu, destoando completamente do peso simbólico da sequência.

O resultado final é um capítulo que entrega menos do que promete. A montagem fragmentada e as decisões absurdas de roteiro enfraquecem o impacto da morte mais famosa da teledramaturgia brasileira. O público assistiu em massa, é verdade — o que mostra a força da marca Vale Tudo —, mas o tiro da nostalgia acabou saindo pela culatra. Resta saber se a investigação que se segue conseguirá resgatar o suspense e a credibilidade perdidos neste capítulo tão aguardado quanto frustrante.

Siga o QG no Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *